Obrigada Carlos de Carmo

Reportagem de Madalena Travisco (Texto) e Jorge Carmona (Fotografia)

De braços cruzados sobre o peito, Carlos do Carmo foi abraçado com aplausos de uma plateia de pé, na abertura da grande e bonita casa de fados em que se transformou o Coliseu dos Recreios na noite de 9 de novembro. Obrigado, Carlos do Carmo.

Veio para o fado e ficou; é corda de uma guitarra e tudo e tudo.

Foi aberta uma sessão do programa da RTP Canção é Espetáculo, dos tempos em que o jovem Carlos do Carmo já defendia que cada um deve fazer o que lhe vai na alma e cantar aquilo que gosta. Entre silêncios e muitos aplausos sentidos, escutou-se a “Gaivota” (“Se uma gaivota viesse…”), a plateia foi desafiada a cantar – mais e melhor – o refrão da “Canoa do Tejo” sob a batuta do mestre, e a primeira declaração da noite:

Carlos do Carmo
Carlos do Carmo

“Tenho dificuldade em dar-vos as boas noites. É extremamente difícil, … não é só uma questão de emoção, é uma questão de amor. Os anos que me restarem viver, a minha fórmula será essa (…) Sinto-me um homem coberto de amor, vocês têm-me dado tudo. E gostaria de vos agradecer a presença, muiiiiito. (…) Vamos fazer um serão o melhor possível. (…)”

Foi um serão maravilhoso, repleto de carinho e de admiração. Houve silêncios e palmas, muitas palmas.

Em “Estranha Forma de Vida”, fez um parêntesis para sinalizar que foi por causa deste fado que casou com a mulher que ama – há 55 anos.

“O facto de cantar o fado deu-me mundo. Cantei praticamente no mundo inteiro, são poucos os países onde não cantei. Aprendi a conhecer e a amar Portugal de fora para dentro. (…) Esta vida vivida, tudo isto, tornou possível eu ganhar pelo fado um amor particular sem perder de vista aquilo que já estava dentro da minha cabeça [o fascínio pela música italiana, francesa, brasileira e pelo Sinatra, Sinatra, Sinatra.]”

Depois do fado castanheiro – “Pontas Soltas”, um vídeo com Ary dos Santos a declamar a “Estrela da Tarde” fez a passagem para “Os Putos” – outro poema do Ary, cantado a partir da mesa colocada no palco – qual casa de fados – com a ponta do refrão entregue à plateia:

Os putos, os putos.

Numa homenagem à mãe, Dona Lucília do Carmo, que decidiu deixar de cantar aos 60 anos, Carlos do Carmo cantou “Olhos Garotos” e elogiou as virtudes do silêncio: “Há silêncios mais sábios do que outros”.

Mais um vídeo, de cumplicidade na gravação do tema tradicional açoriano “Sol” com Bernardo Sasseti ao piano, fez a transição para uma rapsódia instrumental – executada eximiamente pelos músicos que fazem Carlos do Carmo sentir-se sempre num colchão de plumas: o trio do costume, composto por José Manuel Neto na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença na viola de fado e Marino de Freitas no baixo. A estes, juntou-se a mestria dos sopros por João Pedro Santos.

Outro momento audiovisual trouxe a distinção, em 2014, do primeiro Grammy Latino de carreira atribuído a um português, recordando também a interpretação do nosso galardoado no “I’ve got you under my skin” – tema celebrizado pelo ídolo mencionado três vezes.

Antes do regresso a Lisboa com “Um Homem na Cidade” e “Bairro Alto”, Carlos do Carmo partilhou uma citação de Mia Couto que leu numa secção de um jornal:

Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida.

Seguiu-se o primeiro de dois blocos de depoimentos dos pares e outras tantas figuras da sociedade ao Senhor Fado e a revelação pelo próprio de que vai haver um novo disco em janeiro: “Não queria ir-me embora sem deixar um disco. Será o fecho da loja”. A levantar a ponta do véu do disco que vai conter uns dez ou onze fados, Carlos do Carmo apresentou “Mariquinhas.com” – com letra (brejeira) de Vasco Graça Moura e música de Paulo Carvalho.

O segundo bloco de depoimentos intercala os “Cheirinhos” com o “Cacilheiro” e o “Homem das Castanhas”. Entra a imagem “Obrigado!” e outra mais que justa ovação:

“(…) Saio [dos concertos], com uma grande alegria que recebi de todos. Eu considero-me uma pessoa muito bem tratada. Eu fui ao longo da minha vida muito bem tratado pelas pessoas a quem se chama público, a maior parte delas nem as conheço, mas sempre me trataram bem, e sempre me respeitaram e eu respeitei-as.
E isso não tem preço. Quero agradecer-vos isso, muito, está bem?”

Ao fim de quase 60 anos, Carlos do Carmo decidiu abrandar e abandonar os grandes palcos. Fê-lo com toda a elegância num espetáculo sublime. Recebeu a Chave da Cidade de Lisboa e a Medalha de Mérito Cultural do Governo da República.

Recebeu o carinho e o reconhecimento de todos os que entoaram (e vão entoar) o “menina”, “tão pura”, “varina”, ternura”, “bordada”, “estendida”, “amada” e “cidade mulher da minha vida” do “Lisboa Menina e Moça”.

Muito obrigada, Carlos do Carmo.

Por morrer uma andorinha [sem amor, não acaba a primavera – diz o povo].

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