Entrevista: Último CD de Cristina Branco canta a existência pacífica do tango e do fado

«Não há Só Tangos em Paris» é o título do novo álbum de Cristina Branco editado pela universal Music, que conta com a participação de autores como António Lobo Antunes, Mário Laginha ou João Paulo Esteves da Silva. Ao contrário do que costuma acontecer, a cantora optou por começar a apresentar o seu último trabalho por terras lusas e depois de esta quinta-feira, dia 3, já ter dado o seu primeiro concerto, segue agora para Estarreja, em Aveiro, onde se vai apresentar a 26 de Março, seguindo depois para Lisboa, onde irá actuar no último dia do mês no S. Luiz Teatro Municipal. Santarém, Paredes de Coura e Matosinhos são outros dos pontos de passagem da artista.

Pedro da Silva Martins (com quem Cristina Branco trabalhou nos Deolinda) foi quem compôs o tema-título «Não há só Tangos em Paris», um meio tango-meio fado que teve a particularidade de ir de encontro ao desejo da cantora em falar de Paris. “Aquilo que pedi aos meus autores de eleição foi que se associassem a mim e escrevessem ou composessem – ou as duas coisas, em alguns casos – um tango ou um fado, já que havia a intenção de me cingir a esse universo”, recorda a artista em entrevista ao Canela & Hortelã.

Já Manuela de Freitas, por exemplo – apesar de inicialmente Cristina Branco lhe ter pedido para fazer um tango –, optou pelos fados tradicionais e foi assim que surgiram os poemas «Talvez», que é uma aproximação poética ao tango, e o «Se não chovesse tanto, meu amor», que é um fado súplica.

Para o sucessor de «Kronos», de 2009, a cantora queria algo próximo dos anteriores discos «Ulisses» (2005) e «Sensus» (2003), este último que falava do universo da sexualidade e da sensualidade, “temas que têm a ver com o tango e o fado e com toda aquela doçura e sensualidade da música”, explica a artista ao C&H.

No entanto, Cristina Branco também queria fazer um disco de memórias, viagens ou simplesmente flashes da sua vida e para isso pensou no triângulo Buenos Aires-Paris-Lisboa, tudo isto porque, segundo explica, “foram muitos os argentinos que vieram para a Europa e passaram por Lisboa, no entanto, a maioria foi para França no princípio do século XX. «Não há só Tangos em Paris» é no fundo a viagem de alguém que vem do outro lado do Atlântico, por exemplo de Buenos Aires, passa (porque não) por Lisboa e cruza as raízes do fado com o tango, atracando finalmente em Marselha, em direcção a Paris”.

Tendo em conta que a cantora também tem alguma relação com França (já que grava numa editora francesa), resolveu “juntar todos esses ‘trapos’ e fazer um disco que se chama «Não Há Só Tangos em Paris», que é sobre tango e fado e a existência pacífica dos dois”. “O fado tem muito que ver com o tango e o contrário também, pois há muitos tangos que são fados e há exemplos flagrantes no tango da semelhança com o fado. Foi por aí que quis pegar: nas semelhanças entre os dois géneros, na sua urbanidade e na possibilidade de cada um, dentro da sua tradição, de poder evoluir, no sentido que não são músicas estáticas”, explica a artista.

 

Muito mais do que um disco apenas de fados

 

«Não há só Tangos em Paris» é um disco com diferentes faces, exemplo disso são as referências que Cristina Branco convoca para o mesmo texto, no qual podemos encontrar tanto Amália, como Jacques Brel ou Baudelaire. Tratando-se de um trabalho bastante abrangente não faltam os fados tradicionais, os boleros, as milongas e o som do contrabaixo, do bandoneon, do piano e, claro está, da guitarra portuguesa.

Este álbum apresenta também uma universalidade de linguagens, contando com músicas em francês e espanhol, temas entre os quais a cantora se confessa fanática pelo «Invitation au Voiage», de Baudelaire, musicado neste álbum pelo pianista João Paulo Esteves da Silva.

Entre os vários músicos de renome que participaram na gravação do disco, Bernardo Couto (guitarra portuguesa), Bernardo Moreira (contrabaixo), Carlos Manuel Proença (viola), João Paulo Esteves da Silva (piano) e Ricardo Dias (acordeão) formam o núcleo de músicos que marcou presença em estúdio.

Muito mais do que um disco apenas de fados, «Não há só Tangos em Paris» é, acima de tudo, um disco com a música da artista, que não se considere fadista, até porque não acha “justo para quem canta fado”, apesar de se confessar “muito orgulhosa quando dizem que sou fadista… mas a verdade é que também canto outras coisas”.

 

Música estrangeira como referência

 

Apesar de Amália ser, inequivocamente, uma referência artística, Cristina Branco confessa que a sua grande influência não vem da música portuguesa, mas sim da que é feita lá fora, porque o que sempre ouviu – por influência dos pais –, foram blues, jazz, música brasileira, ialiana e francesa. Já na música portuguesa o que ouvia eram artistas como Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso ou José Mário Branco. “Nasci em ’72 e recebi toda aquela influência do que se fazia a nível musical. Os meus pais na altura eram bastante jovens, estavam na casa dos 30 anos, e essa era a música que eles escutavam, o que acabou por me influênciar, muito mais do que o fado, que era uma música elitista e que se cingia bastante a Lisboa… e eu não era de Lisboa, logo o fado nunca poderia ter dramatizado a minha música”, relembra a cantora.

Em Portugal foi editada uma versão especial do álbum «Não há só Tangos em Paris», que inclui um DVD, no qual a artista interpreta seis dos temas que vêm no CD num ambiente intimista e quase teatral. “Este DVD dá a possibilidade das pessoas verem como é que nós interpretamos as músicas, porque é diferente e há pessoas que gostam mais de ver as músicas ao vivo do que as ouvirem no disco… sempre tem outras cores”, explica Cristina Branco.

Depois de apresentar o novo álbum por terras lusas, a cantora tem já agendados concertos em França, Holanda, Espanha, Itália, Alemanha, Luxemburgo e Bélgica. A América Latina também não vai ficar de fora, estando previstos concertos além-Atlântico mais para o final da digressão. Mas antes destes destinos, a artista ainda vai dar uma ‘saltada’ a Itália, onde vai marcar presença já esta segunda-feira, dia 7, no Catania Jazz 2011.

Uma agenda cheia que não reflecte a crise ‘gigantesca’ que se faz sentir, o que, segundo Cristina Branco, se fica a dever “à necessidade que as pessoas têm de ir ver concertos”. “Graças a isso nunca senti falta de trabalho”, confessa.

 

 

Entrevista de Cristina Alves

Fotos gentilmente cedidas por Universal Music

 

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