A Música De John Zorn É Uma Marioneta Nas Mãos Do Highsmith Trio

A temperatura começou a subir na quarta-feira. O termómetro deu um primeiro pulo, ainda assim, relativamente comportável. Na quinta-feira, o salto mais pronunciado, em direcção ao céu, dando a entender que, apenas ele, parece ser o limite. Após uma máxima em torno dos 40 graus em Lisboa, estão uns ligeiramente mais suportáveis 32 graus às 21h30, hora a que arranca, no auditório ao ar livre mais um concerto do Jazz em Agosto da Fundação Calouste Gulbenkian.

Trata-se da 35ª edição deste festival, uma edição dedicada à música do saxofonista (enfim, multi-instrumentista?) americano John Zorn, na primeira vez que um único músico é alvo de uma homenagem do género. Os espectadores sentam-se nos bancos de cimento, tornados cómodos por almofadas compridas coloridas. Ao contrário de edições anteriores, não nos é oferecido o panfleto com informação do concerto e dos músicos da noite, uma simpatia que hoje teria a vantagem adicional de poder servir de abanico.

Highsmith Trio é o nome do projecto que surgiu inicialmente no formato de duo, com o cruzamento entre a música do pianista Craig Taborn e da, chamemos-lhe assim, laptopista (pelo menos é assim que Jim Black a apresentará daqui a pouco) Ikue Mori. Jim Black juntou-se posteriormente a estes dois para completar o atual trio.

Mais do que apresentar os membros da banda – Craig Taborn on piano, Ikue Mori on laptop (eu não disse?) – Jim Black diz umas palavras sobre a música de John Zorn que vão tocar. Menciona duas características: “intimacy and immediacy”. E dá um exempo da sua aplicação: John Zorn considera que a música é feita para aquele conjunto de pessoas naquele dado momento. E, por isso, não gosta nem autoriza gravações das suas performances: têm significado apenas no espectáculo, esgotam-se no concerto, não fazem sentido noutro local, noutra altura.

Mais do que tocar temas de John Zorn, estes três pretendem pôr em prática esta filosofia durante cerca de uma hora: tocar música que nasce e morre à frente dos olhos e dos ouvidos dos que se deslocaram à Gulbenkian  na noite de 2 de Agosto.

Ikue Mori senta-se a uma mesa com o MacBook à sua frente, qual criança na carteira de uma sala de aula, muito direita, com os pés juntinhos. A sua cara vai permanecer sem expressão durante todo o concerto. Os gestos curtos e quase indistintos ao teclado do computador contrastam fortemente com as mãos de Craig Taborn, que atravessam vezes sem conta as oitentas e muitas teclas do piano, por vezes rapidamente, outras lentamente. Cruzam-se e sobrepõem-se, ultrapassam o tampo do piano e tocam directamente nas cordas.

A música é eficaz e certeira, embora repleta de liberdade – estamos a ouvir algo que mais ninguém vai ouvir. Gatos correm lá atrás no verde do jardim da Gulbenkian enquanto a sonoridade passa de dissonante a melodiosa; mosquitos dançam por cima dos executantes, bailando à luz dos holofotes, enquanto o ritmo suave se acelera e se transforma, se galvaniza. Talvez seja como sushi: simples mas elaborada, crua mas delicada. Tradicional mas pouco ortodoxa. Irreverente sem deixar de ser consensual.

John Zorn é como aqueles governos fantoches dos países satélite: a sua música parece ser controlada à distância pelos governos das grandes potências. Neste caso, pelas seis mãos das três cabeças deste trio, accionam os comandos que produzem os sons e os ritmos. “Arigato gozaimazu”, agradece Jim Black ao microfone quando o trio regressa ao palco para um encore único.

Autor:Por Daniel Carvalho
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