A Bruxa de Arroios vence Prémio MOTELx 2012

 Por Sara Peralta

Entre os 10 nomeados para Melhor Curta de Terror Portuguesa 2012, o vencedor foi A Bruxa de Arroios, de Manuel Pureza. A decisão coube ao Júri composto por Filipe Melo, Paulo Furtado, e Pål Sletaune, que premiou assim “um filme que combina momentos de gore com humor muito gráfico, uma direcção de arte cuidada, e uma excelente interpretação de Rita Blanco”.

A curta-metragem nacional ficou desta forma seleccionada para o Méliès d’Or Melhor Curta-Metragem Europeia (atribuído anualmente pela Federação Europeia de Festivais de Cinema Fantástico), e foi galardoada com um prémio monetário de 3 mil euros, serviços de pós-produção vídeo na Pixel Bunker e de pós-produção áudio na Obviosom (5 mil e 3 mil euros respectivamente), um voucher da Odd School  (800 euros) e um fim-de-semana de inspiração num dos Hotéis Belver.

Manuel Pureza agradeceu com um longo discurso e comentários jocosos, inciando com “Eu na 5ª feira quando o filme estreou nesta sala, caiu-me o papel do agradecimento porque estava com uma erecção muito grande; vocês não fazem ideia de como isto está agora”, congratulando os restantes nomeados e elogiando o MOTELx.

Como já vem sendo habitual, o júri atribuiu ainda uma menção honrosa a O Reino, de Paulo Castilho, sendo que  Sletaune referiu tratar-se de “um drama absurdo e existencialista”, como se se cruzassem “Akira Kurosawa e Samuel Beckett no cimo de uma montanha”.

Depois de exibida a curta vencedora, a Sessão de Encerramento prosseguiu com American Mary, das gémeas tresloucadas Jen e Sylvia Soska, no qual uma estudante aspirante a cirurgiã com problemas financeiros, tem invulgares oportunidades para praticar a sua especialidade, especialmente após um motivo de vingança. Com personagens bizarras e algum humor, foi um bom fecho para o festival.

Houve ainda espaço para a exibição do resultado do workshop Matança da Alegria pelo colectivo Os Clones, com o habitual gore e comédia, recebido com sonoras gargalhadas. O grupo deu nessa tarde uma masterclass onde falou sobre os seus projectos, e houve também a “Aula de Mestre! Capitão Falcão”, com a exibição do episódio piloto seguida da explicação de como foi feito, terminando com um festivo bolo.

Mas nas masterclasses o destaque foi, claro, para Dario Argento. Lenda viva da história do Cinema, falou sobre a estética dos seus filmes, a cor, o som, a música, a colaboração com a banda Goblin, os efeitos especiais e sua importância, entre muitas outras coisas, perante uma audiência entusiasmada que pôde ver alguns excertos das paradigmáticas obras do mestre.

Após cinco dias repletos de terror, com o melhor do que este cinema de género tem para oferecer, o MOTELx chegou assim ao fim neste domingo.

Desengane-se quem pensa que o género é limitado aos clichés que mais atenção recebem na generalidade dos ecrãs. No MOTELx pode ver-se uma mão cheia de filmes sem que se toque em entranhas ou se aviste o sobrenatural. Para os mais assustadiços, é possível visionar obras que são recebidas com gargalhadas e não com saltos na cadeira, mas cuidado com os baldes de sangue. Para os cansados de monstros ou que não apreciam fantasmas, sentem-se e vislumbrem o lado mais negro da espécie humana.

No domínio do gore viu-se Father’s Day e Inbred, ambos comédias. Para quem conhece a Troma, produtora de filmes de série B, basta referir isso quanto ao primeiro: o absurdo, a propositada má qualidade de certos aspectos, a natureza da narrativa, o sangue, as tripas, a sátira, enfim. O segundo acompanha um grupo de jovens problemáticos e respectivos tutores, que escolhem a aldeia errada em Yorkshire: os peculiares habitantes locais não apreciam estranhos e acabam por interferir de forma macabra, sendo o resultado um festim de violência gráfica com humor grotesco.

No “terror humano” tivemos por exemplo Sleep Tight, onde um perturbado e infeliz porteiro encontra conforto em fazer os outros igualmente infelizes: o protagonista é o vilão e acompanhamo-lo nas suas mesquinhas e discretas tentativas em desgraçar vidas alheias. Em The Tall Man várias crianças desaparecem de uma pequena cidade sem deixar rasto, facto que as superstições locais atribuem ao “Homem  Alto”: Julia parece cépitca até ser a sua criança a ser raptada a meio da noite, levando-a a uma perseguição desesperada que desmascarará uma teia mais complexa enquanto o espectador se interroga o que é que, afinal, se passa na trama.

The Butterfly Room mostra-nos Ann, uma solitária senhora com uma colecção de borboletas e vários “esqueletos no armário”. Excision poderá não ser considerado propriamente um filme de terror, mas é com certeza um bom filme com rasgos de humor negro e um elenco já conhecido, onde AnnaLynne McCord surpreende na pele de Pauline. Jovem desequilibrada e atraída pelo macabro, aspirante a cirurgiã e alienada de todos, que sonha com corpos mutilados e sangue parecendo retirar prazer sexual de tais visões: o filme acompanha esta perturbada adolescente e a sua queda na demência, comprovada no desfecho do filme.

Em Crawl, “o dono de um clube nocturno contrata um misterioso croata para assassinar um seu conhecido devido a uma dívida por saldar”, mas o número de vítimas acaba por escalar (fala-se em homenagens a Hitchcock, aos Coen, e a Polanski; talvez por isso nada se destaque). Estéticamente agradável, existe uma linha entre o suspense e o aborrecimento, e Crawl falha, após uma boa cena inicial, arrastando-se na tentativa de criar uma atmosfera de tensão e gerando alguns momentos cómicos involuntários. O assassino tem o seu interesse, mas a vítima feminina parece adivinhar encontrar-se num filme de terror, a banda-sonora não produz o efeito desejado, e, simplesmente, a tensão fica aquém do esperado.

O título de Red State refere-se aos estados republicanos dos EUA, aos mais conservadores, recaíndo neste caso sobre um grupo de fanáticos religiosos que formam uma espécie de seita com um especial ódio por homossexuais (“God hates fags”, dizem). Com falas deliciosas da autoria de Kevin Smith, trata-se de uma sátira sobre esta mesma questão: em suma, no filme dá para rir, mas é triste que efectivamente existam pessoas assim, sendo estes grupos extremistas uma realidade nas terras mais conservadoras do Tio Sam. Três adolescentes procuram ter sexo com uma mulher que alega querer fazê-lo com o trio, e caem na armadilha do Pastor Abin Cooper, que vê neste desejo do sexo a quatro um imperdoável acto de homossexualidade. Bem construído e cativante, com sátira e irreverência e culminando em violência, Kevin Smith não desilude neste novo registo.

Não faltou claro o sobrenatural e podemos referir Livid, filme que, por lapso alheio à organização, chegou ao festival numa cópia inacabada, sem efeitos especiais. O realizador Julien Maury disse que todo o público fazia agora “parte da família”, os únicos a ver essa versão. Tal até surpreende pois podemos dizer que mesmo assim é um bom filme, bem filmado e bem conseguido, que mesmo com um par de cenas com green screen e cabos a suspender uma personagem, a narrativa cativa e tem sem dúvida elementos assustadores mesmo sem os ditos efeitos de pós-produção, ficando o desejo de ver a obra final.

Também elementos sobrenaturais tinha V/H/S, a maior desilusão do certame, por entre excertos de supostos vídeos caseiros onde a  câmara-à-mão acaba por não fazer mais que cansar o espectador com tanto movimento, sem coesão, com uma das “histórias” reaparecendo ao longo do filme numa tentativa de elo de ligação, sem que os vários segmentos tivessem grande interesse (destaque para o primeiro com a personagem vampírica, que consegue algum humor) ou os sustos fossem, efectivamente, assustadores.

Mas são boas obras do universo do Terror as que passam pelo MOTELx, e poucas as oportunidades de as ver noutras salas.

Com estes e muitos mais filmes, o Cinema São Jorge fez a festa reunindo amantes do terror, cinéfilos e curiosos. Festival com cada vez mais notoriedade mesmo no panorama internacional, com cada vez mais público e mais sessões esgotadas, cresce a olhos vistos e regressará com certeza em força com novas surpresas, horrores e convidados: afinal, dizem que o mundo acaba em 2012, mas em 2013 o MOTELx voltará a estar connosco.

Organizado desde 2007 pelo CTLX – Cineclube de Terror de Lisboa, é hoje o representante de Portugal na Federação Europeia de Festivais de Cinema Fantástico (EFFFF), ao lado de outros importantes festivais como o de Sitges (Espanha), o BIFFF (Bruxelas) ou o Frightfest (Londres).

Ao longo de cinco dias o MOTELx assombrou Lisboa com inúmeras horríficas obras, desde inéditas novidades a peças de culto: Aguardamos a sequela em 2013.

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